domingo, 2 de junho de 2013

Olhai os Lírios do Campo

Estive pensando muito na fúria cega com que os homens se atiram á caça  do dinheiro. É essa a causa principal dos dramas das injustiças,da incompreensão da nossa época. Eles esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o que a vida  lhes oferece de melhor; as relações de criatura para criatura.De que serve construir  os arranha-céus se não há mais  almas humanas para morar neles?
Quero que abras  olhos, Eugênio, que acordes enquanto é tempo. Peço-te que pegues  a minha Bíblia que está  na estante de livros, perto do rádio,leias apenas o Sermão da Montanha. não será difícil achar, pois a página está marcada com uma tira de papel. Os homens deviam ler e meditar esse trecho, principalmente no ponto que Jesus nos fala  do lírios do campo que não trabalham nem fiam, e no entanto nem Salomão em toda sua glória jamais  se vestiu como um deles.
Está claro que não devemos tomar as  parábolas de Cristo e ficar  deitado á espera  de que  tudo caia do céu. É indispensável trabalhar,pois  um mundo de criaturas passíveis seria  também  triste, sem beleza. Precisamos, entretanto, dar um sentido humano ás  nossas construções. E quando o amor  ao dinheiro ao sucesso, nos  estiver deixando cegos, saibamos fazer pausa para olhar os lírios de campo e as aves do céu.
Não pense que  estou fazendo o elogio do puro espírito contemplativo e da renúncia, ou que ache  que o povo deva viver narcotizado pela esperança  da felicidade na 'outra vida'.
Há na terra um grande trabalho a realizar. É tarefa para seres fortes, para corações corajosos.Não podemos cruzar os braços enquanto os aproveitadores sem escrúpulos engedram os monopólios, as guerras e as  intrigas cruéis. Temos que fazer-lhes  frente. É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência e sim com as  do amor e da persuasão. Considera  a vida de Jesus. Ele foi  antes de tudo um homem de ação e não um puro contemplativo.
Quando falo em conquista, quero dizer a  conquista  duma situação decente para todas as criaturas humanas, a conquista da paz digna, através do espírito de cooperação.
E quando falo em aceitar a vida não me refiro á aceitação resignada e passiva de todas  as desigualdades , malvadezas, absurdos e misérias do mundo. Refiro-me , sim á  aceitação da  luta necessária, do sofrimento que essa luta  nos trará, das horas amargas a que  ela forçosamente  nos há de levar.
(Érico Veríssimo, 'Olhai os Lírios de Campo',
páginas 154-155)

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