quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Prá nunca mais chorar

Passava do meio dia, o cheiro de pão quente invadia aquela rua, um sol escaldante
 convidava a todos para um refresco.
Ricardinho não agüentou o cheiro bom do pão e falou:

- Pai, tô com fome!

         O pai, Agenor, sem ter um tostão no bolso, caminhando desde muito cedo em busca de um trabalho,
 olha com os olhos marejados para o filho
 e pede mais um pouco de paciência...

     - Mas pai, desde ontem não comemos nada,
 eu tô com muita fome, pai!

           Envergonhado, triste e humilhado em seu coração de pai, Agenor pede para o filho aguardar
na calçada enquanto entra na Padaria a sua frente.
 Ao entrar dirige-se a um homem no balcão:

      - Meu senhor, estou com meu
filho de apenas 6 anos na porta, com muita fome.
 Não tenho nenhum tostão, pois sai
cedo para buscar um emprego e nada encontrei.
 Eu lhe peço que em nome de Jesus
 me forneça um pão para que eu
possa matar a fome desse menino,
 em troca posso varrer o chão de
seu estabelecimento, lavar os pratos e copos,
ou outro serviço que o Senhor precisar.

Amaro, o dono da Padaria estranha
aquele homem de semblante calmo e sofrido,
pedir comida em troca de trabalho
e pede para que ele chame o filho.
 Agenor pega o filho pela mão e apresenta-o a Amaro,
 que imediatamente pede que
 os dois sentem-se junto ao balcão,
onde manda servir dois pratos de
comida do famoso PF
(Prato Feito) - arroz, feijão, bife e ovo.

Para Ricardinho era um sonho,
 comer após tantas horas na rua.
Para Agenor, uma dor a mais,
já que comer aquela comida
maravilhosa fazia-o lembrar-se da
esposa e mais dois filhos que ficaram
em casa apenas com um punhado de fubá.
Grossas lágrimas desciam dos
seus olhos já na primeira garfada.

A satisfação de ver seu filho devorando
 aquele prato simples como se
fosse um manjar dos deuses,
 e a lembrança de sua pequena família em casa,
 foi demais para seu coração
tão cansado de mais de 2 anos de desemprego,
 humilhações e necessidades.

Amaro se aproxima de Agenor e
percebendo a sua emoção, brinca para relaxar:
     - O Maria! Sua comida deve estar muito ruim!
 Olha o meu amigo está até
chorando de tristeza desse bife,
 será que é sola de sapato...?
    Imediatamente, Agenor sorri e
diz que nunca comeu comida tão apetitosa,
 e que agradecia a Deus por ter esse prazer.
 Amaro pede então que ele sossegue seu coração, que almoçasse em paz e depois conversariam sobre trabalho.

Mais confiante, Agenor enxuga as lágrimas
 e começa a almoçar, já que sua fome
já estava nas costas. Após o almoço, Amaro convida
Agenor para uma conversa nos fundos da Padaria,
onde havia um pequeno escritório.
 Agenor conta então que há mais
de 2 anos havia perdido o emprego e desde então,
sem uma especialidade profissional,
sem estudos, ele estava vivendo
de pequenos "biscates aqui e acolá",
mas que há 2 meses não recebia nada.

Amaro resolve então contratar
Agenor para serviços gerais na Padaria,
e penalizado, faz para
 o homem uma cesta básica com
 alimentos para pelo menos 15 dias.
 Agenor com lágrimas nos
olhos agradece a confiança
daquele homem e marca para o
dia seguinte seu início no trabalho.

Ao chegar em casa com toda aquela "fartura",
 Agenor é um novo homem - sentia esperanças,
 sentia que sua vida iria tomar novo impulso. Deus estava lhe abrindo mais do que uma porta,
 era toda uma esperança de dias melhores.
 No dia seguinte, às 5 da manhã,
Agenor estava na porta da Padaria
ansioso para iniciar seu novo trabalho.
 Amaro chega logo em seguida e sorri
 para aquele homem que nem ele
 sabia porque estava ajudando.
 Tinham a mesma idade, 32 anos,
 e histórias diferentes, mas algo dentro dele
 chamava-o para ajudar aquela pessoa.
 E, ele não se enganou - durante um ano,
 Agenor foi o mais dedicado trabalhador daquele estabelecimento, sempre honesto
e extremamente zeloso com seus deveres.

Um dia, Amaro chama Agenor
 para uma conversa e fala da escola que abriu vagas para a alfabetização de adultos um quarteirão acima da Padaria,
 e que ele fazia questão que Agenor fosse estudar.
Agenor nunca esqueceu seu primeiro dia de aula:
a mão trêmula nas primeiras letras
 e a emoção da primeira carta...

Doze anos se passam desde aquele primeiro dia de aula.
 Vamos encontrar o Dr. Agenor Baptista de Medeiros,
 advogado, abrindo seu escritório para seu cliente, e depois outro, e depois mais outro.
Ao meio dia ele desce para um café
na Padaria do amigo Amaro,
 que fica impressionado em ver o "antigo funcionário" tão elegante em seu primeiro terno.

Mais dez anos se passam, e agora o Dr. Agenor Baptista,
 já com uma clientela que mistura
os mais necessitados que não
podem pagar, e os mais abastados
que o pagam muito bem,
resolve criar uma Instituição
que oferece aos desvalidos da sorte,
 que andam pelas ruas,
pessoas desempregadas e carentes
de todos os tipos, um prato de comida
diariamente na hora do almoço.
 Mais de 200 refeições são servidas
diariamente naquele lugar que é
administrado pelo seu filho,
o agora nutricionista Ricardo Baptista.

Tudo mudou, tudo passou,
 mas a amizade daqueles dois homens,
Amaro e Agenor impressionava
a todos que conheciam um pouco
da história de cada um, contam
que aos 82 anos os dois faleceram no mesmo dia,
quase que a mesma hora,
morrendo placidamente com
um sorriso de dever cumprido.

Ricardinho, o filho mandou gravar na frente da
"Casa do Caminho", que seu pai fundou com tanto carinho:



"Um dia eu tive fome, e você me alimentou. Um dia eu estava sem esperanças e você me deu um caminho. Um dia acordei sozinho, e você me deu Deus, e isso não tem preço. Que Deus habite em seu coração e alimente sua alma...
E, que te sobre o pão da misericórdia para estender a quem precisar."

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