quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ego - O falso centro


O primeiro ponto a ser compreendido é o ego.


Uma criança nasce sem qualquer conhecimento, sem qualquer consciência de seu próprio eu. 


E quando uma criança nasce, a primeira coisa da qual ela se torna consciente não é ela mesma; a primeira coisa da qual ela se torna consciente é o outro. Isso é natural, porque os olhos se abrem para fora, as mãos tocam os outros, os ouvidos escutam os outros, a língua saboreia a comida e o nariz cheira o exterior. Todos esses sentidos abrem-se para fora. 


O nascimento é isso.
Nascimento significa vir a esse mundo: o mundo exterior.


Assim, quando uma criança nasce, ela nasce nesse mundo.
Ela abre os olhos e vê os outros.
O outro significa o tu.



Ela primeiro se torna consciente da mãe. 
Então, pouco a pouco, ela se torna consciente de seu próprio corpo. 


Esse também é o 'outro', também pertence ao mundo.
Ela está com fome e passa a sentir o corpo; quando sua necessidade é satisfeita, ela esquece o corpo. É dessa maneira que a criança cresce.


Primeiro ela se torna consciente do você, do tu, do outro, e então, pouco a pouco, contrastando com você, com tu, ela se torna consciente de si mesma.Essa consciência é uma consciência refletida.


Ela não está consciente de quem ela é.
Ela está simplesmente consciente da mãe e do que ela pensa a seu respeito.


Se a mãe sorri, se a mãe aprecia a criança, se diz 'você é bonita', se ela a abraça e a beija, a criança sente-se bem a respeito de si mesma. Assim, um ego começa a nascer. 


Por meio da apreciação, do amor, do cuidado, ela sente que é ela boa, ela sente que tem valor, ela sente que tem importância. 


Um centro está nascendo.
Mas esse centro é um centro refletido.
Ele não é o ser verdadeiro.


A criança não sabe quem ela é; ela simplesmente sabe o que os outros pensam a seu respeito. E esse é o ego: o reflexo, aquilo que os outros pensam.


Se ninguém pensa que ela tem alguma utilidade, se ninguém a aprecia, se ninguém lhe sorri, então, também, um ego nasce - um ego doente, triste, rejeitado, como uma ferida, sentindo-se inferior, sem valor.


Isso também é ego.
Isso também é um reflexo.


Primeiro a mãe.
A mãe, no início, significa o mundo.
Depois os outros se juntarão à mãe, e o mundo irá crescendo.


E quanto mais o mundo cresce, mais complexo o ego se torna, porque muitas opiniões dos outros são refletidas.


O ego é um fenômeno cumulativo, um subproduto do viver com os outros. Se uma criança vive totalmente sozinha, ela nunca chegará a desenvolver um ego.


Mas isso não vai ajudar.
Ela permanecerá como um animal.
Isso não significa que ela virá a conhecer o seu verdadeiro eu, não.


O verdadeiro só pode ser conhecido por meio do falso, portanto, o ego é uma necessidade. Temos que passar por ele. Ele é uma disciplina. 


O verdadeiro só pode ser conhecido por meio da ilusão.


Você não pode conhecer a verdade diretamente.
Primeiro você tem que conhecer aquilo que não é verdadeiro.
Primeiro você tem que encontrar o falso.
Por meio desse encontro, você se torna capaz de conhecer a verdade.


Se você conhece o falso como falso, a verdade nascerá em você.


O ego é uma necessidade; é uma necessidade social, é um subproduto social.
A sociedade significa tudo o que está ao seu redor, não você, mas tudo aquilo que o rodeia.


Tudo, menos você, é a sociedade. 
E todos refletem.


Você irá à escola e o professor refletirá quem você é.
Você fará amizade com as outras crianças e elas refletirão quem você é.


Pouco a pouco, todos estarão adicionando algo ao seu ego, e todos estarão tentando modificá-lo, de modo que você não se torne um problema para a sociedade.


Eles não estão interessados em você.
Eles estão interessados na sociedade.


A sociedade está interessada nela mesma, e é assim que deveria ser. Eles não estão interessados no fato de que você deveria se tornar um conhecedor de si mesmo.


Interessa-lhes que você se torne uma peça eficiente no mecanismo da sociedade. Você deveria ajustar-se ao padrão. Assim, estão interessados em dar-lhe um ego que se ajuste à sociedade.


Ensinam-lhe a moralidade.
Moralidade significa dar-lhe um ego que se ajuste à sociedade.


Se você for imoral, você será sempre um desajustado em um lugar ou outro...
Moralidade significa simplesmente que você deve se ajustar à sociedade.


Se a sociedade estiver em guerra, a moralidade muda.
Se a sociedade estiver em paz, existe uma moralidade diferente.
A moralidade é uma política social. É diplomacia.


E toda criança deve ser educada de tal forma que ela se ajuste à sociedade; e isso é tudo, porque a sociedade está interessada em membros eficientes.


A sociedade não está interessada no fato de que você deveria chegar ao auto-conhecimento. A sociedade cria um ego porque o ego pode ser controlado e manipulado.


O eu (verdadeiro) nunca pode ser controlado e manipulado. Nunca se ouviu dizer que a sociedade estivesse controlando o eu - não é possível.


E a criança necessita de um centro; a criança está absolutamente inconsciente de seu próprio centro. A sociedade lhe dá um centro e a criança pouco a pouco fica convencida de que esse é o seu centro, o ego dado pela sociedade.


Uma criança volta para casa.


Se ela foi o primeiro lugar de sua sala, a família inteira fica feliz.
Você a abraça e beija; você a coloca sobre os ombros e começa a dançar e diz 'que linda criança! você é um motivo de orgulho para nós.' Você está dando um ego para ela, um ego sutil.


E se a criança chega em casa abatida, fracassada, foi um fiasco na sala - ela não passou de ano ou tirou o último lugar, então ninguém a aprecia e a criança se sente rejeitada. Ela tentará com mais afinco na próxima vez, porque o centro se sente abalado.


O ego está sempre abalado, sempre à procura de alimento, de alguém que o aprecie. E é por isso que você está continuamente pedindo atenção.


Você obtém dos outros a idéia de quem você é. 
Não é uma experiência direta. 


É dos outros que você obtém a idéia de quem você é. Eles modelam o seu centro. Mas esse centro é falso, enquanto que o centro verdadeiro está dentro de você.


O centro verdadeiro não é da conta de ninguém.
Ninguém o modela.
Você vem com ele.
Você nasce com ele. 


Assim, você tem dois centros. Um centro com o qual você vem, que lhe é dado pela própria existência. Esse é o eu. 


E o outro centro, que é criado pela sociedade - o ego. Esse é algo falso - é um grande truque. Por meio do ego a sociedade está controlando você.


Você tem que se comportar de uma certa maneira, porque somente assim a sociedade irá apreciá-lo.Você tem que caminhar de uma certa maneira; você tem que rir de uma certa maneira; você tem que seguir determinadas condutas, uma moralidade, um código. 


Somente assim a sociedade o apreciará, e se ela não o fizer, o seu ego ficará abalado. E quando o ego fica abalado, você já não sabe onde está, você já não sabe quem você é.


Os outros deram-lhe a idéia. 
E essa idéia é o ego. 


Tente entendê-lo o mais profundamente possível, porque ele tem que ser jogado fora. E a não ser que você o jogue fora, nunca será capaz de alcançar o eu. 


Por estar viciado no falso centro, você não pode se mover, e você não pode olhar para o eu. 


E lembre-se: vai haver um período intermediário, um intervalo, quando o ego estará se despedaçando, quando você não saberá quem você é, quando você não saberá para onde está indo; quando todos os limites se dissolverão. Você estará simplesmente confuso, um caos. 


Devido a esse caos, você tem medo de perder o ego. Mas tem que ser assim. Temos que passar através do caos antes de atingir o centro verdadeiro. E se você for ousado, o período será curto. 


Se você for medroso e novamente cair no ego, e novamente começar a ajeitá-lo, então, o período pode ser muito, muito longo; muitas vidas podem ser desperdiçadas...


Até mesmo o fato de ser infeliz lhe dá a sensação de "eu sou". 


Afastando-se do que é conhecido, o medo toma conta; você começa sentir medo da escuridão e do caos - porque a sociedade conseguiu clarear uma pequena parte de seu ser... É o mesmo que penetrar numa floresta. 


Você faz uma pequena clareira, você limpa um pedaço de terra, você faz um cercado, você faz uma pequena cabana; você faz um pequeno jardim, um gramado, e você sente-se bem. Além de sua cerca - a floresta, a selva. Mas aqui dentro tudo está bem: você planejou tudo.


Foi assim que aconteceu. A sociedade abriu uma pequena clareira em sua consciência. Ela limpou apenas uma pequena parte completamente, e cercou-a. Tudo está bem ali. 


Todas as suas universidades estão fazendo isso. Toda a cultura e todo o condicionamento visam apenas limpar uma parte, para que ali você possa se sentir em casa. E então você passa a sentir medo. Além da cerca existe perigo.


Além da cerca você é, tal como você é dentro da cerca - e sua mente consciente é apenas uma parte, um décimo de todo o seu ser. Nove décimos estão aguardando no escuro. E dentro desses nove décimos, em algum lugar, o seu centro verdadeiro está oculto. 


Precisamos ser ousados, corajosos.
Precisamos dar um passo para o desconhecido.


Por um certo tempo, todos os limites ficarão perdidos. 
Por um certo tempo, você vai se sentir atordoado. 
Por um certo tempo, você vai se sentir muito amedrontado e abalado, como se tivesse havido um terremoto. 


Mas se você for corajoso e não voltar para trás, se você não voltar a cair no ego, mas for sempre em frente, existe um centro oculto dentro de você, um centro que você tem carregado por muitas vidas. Esse centro é a sua alma, o eu.


Uma vez que você se aproxime dele, tudo muda, tudo volta a se assentar novamente. Mas agora esse assentamento não é feito pela sociedade. Agora, tudo se torna um cosmos e não um caos, nasce uma nova ordem. Mas essa não é a ordem da sociedade - essa é a própria ordem da existência.É o que Buda chama de Dhamma, Lao Tzu chama de Tao, Heráclito chama de Logos. 


Não é feita pelo homem. 
É a própria ordem da existência. 


Então, de repente tudo volta a ficar belo e, pela primeira vez, realmente belo, porque as coisas feitas pelo homem não podem ser belas. No máximo você pode esconder a feiúra delas, isso é tudo. Você pode enfeitá-las, mas elas nunca podem ser belas...


O ego tem uma certa qualidade: a de que ele está morto. Ele é de plástico. E é muito fácil obtê-lo, porque os outros o dão a você. Você não precisa procurar por ele; a busca não é necessária. 


Por isso, a menos que você se torne um buscador à procura do desconhecido, você ainda não terá se tornado um indivíduo. Você é simplesmente mais um na multidão. Você é apenas uma turba. Se você não tem um centro autêntico, como pode ser um indivíduo?


O ego não é individual. O ego é um fenômeno social - ele é a sociedade, não é você. Mas ele lhe dá um papel na sociedade, uma posição na sociedade. E se você ficar satisfeito com ele, você perderá toda a oportunidade de encontrar o eu. 


E por isso você é tão infeliz. 
Como você pode ser feliz com uma vida de plástico? 
Como você pode estar em êxtase ser bem-aventurado com uma vida falsa?


E esse ego cria muitos tormentos. O ego é o inferno. 


Sempre que você estiver sofrendo, tente simplesmente observar e analisar, e você descobrirá que, em algum lugar, o ego é a causa do sofrimento. 


E o ego segue encontrando motivos para sofrer...
E assim as pessoas se tornam dependentes, umas das outras. 
É uma profunda escravidão. 
O ego tem que ser um escravo. 
Ele depende dos outros. 


E somente uma pessoa que não tenha ego é, pela primeira vez, um mestre; ele deixa de ser um escravo.Tente entender isso. E comece a procurar o ego - não nos outros, isso não é da sua conta, mas em você. 


Toda vez que se sentir infeliz, imediatamente feche os olhos e tente descobrir de onde a infelicidade está vindo, e você sempre descobrirá que o falso centro entrou em choque com alguém.


Você esperava algo e isso não aconteceu. Você espera algo e justamente o contrário aconteceu - seu ego fica estremecido, você fica infeliz. Simplesmente olhe, sempre que estiver infeliz, tente descobrir a razão. As causas não estão fora de você.


A causa básica está dentro de você - mas você sempre olha para fora, você sempre pergunta: 


'Quem está me tornando infeliz?' 
'Quem está causando a minha raiva?' 
'Quem está causando a minha angústia?'


Se você olhar para fora, você não perceberá. 
Simplesmente feche os olhos e sempre olhe para dentro. 


A origem de toda a infelicidade, da raiva e da angústia, está oculta dentro de você, é o seu ego. E se você encontrar a origem, será fácil ir além dela. 


Se você puder ver que é o seu próprio ego que lhe causa problemas, você vai preferir abandoná-lo - porque ninguém é capaz de carregar a origem da infelicidade, uma vez que a tenha entendido.


Mas lembre-se, não há necessidade de abandonar o ego. 
Você não o pode abandonar. 


E se você tentar abandoná-lo, simplesmente estará conseguindo um outro ego mais sutil, que diz: 'tornei-me humilde'...


Todo o caminho em direção ao divino, ao supremo, tem que passar através desse território do ego. O falso tem que ser entendido como falso. A origem da miséria tem que ser entendida como a origem da miséria - então ela simplesmente desaparece. 


Quando você sabe que ele é o veneno, ele desaparece. 
Quando você sabe que ele é o fogo, ele desaparece. 
Quando você sabe que esse é o inferno, ele desaparece.


E então você nunca diz: 'eu abandonei o ego'. Você simplesmente irá rir de toda essa história, dessa piada, pois você era o criador de toda essa infelicidade...


É difícil ver o próprio ego. 
É muito fácil ver o ego nos outros. 
Mas esse não é o ponto, você não os pode ajudar.
Tente ver o seu próprio ego. 
Simplesmente o observe.
Não tenha pressa em abandoná-lo, simplesmente o observe. 
Quanto mais você observa, mais capaz você se torna. 


De repente, um dia, você simplesmente percebe que ele desapareceu. E quando ele desaparece por si mesmo, somente então ele realmente desaparece. Porque não existe outra maneira. Você não pode abandoná-lo antes do tempo. Ele cai exatamente como uma folha seca.


Quando você tiver amadurecido através da compreensão, da consciência, e tiver sentido com totalidade que o ego é a causa de toda a sua infelicidade, um dia você simplesmente vê a folha seca caindo... e então o verdadeiro centro surge.


E esse centro verdadeiro é a alma, o eu, o deus, a verdade, ou como quiser chamá-lo. Você pode lhe dar qualquer nome, aquele que preferir.

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