Não aguentava mais aquela vida. Sempre maltratado pela minha mulher e filhos, queria, por força, pôr termo à minha vida.
Dedicava-me de corpo e alma a minha família, mas, sempre incompreendido, minha vida se tornara um tormento.
Uma noite, saí sem rumo certo e fui parar em um antro de malfeitores que davam pouco valor à vida. O ambiente era dos piores.
Quando entrei, quase todos os olhares me foram dirigidos. Fiquei um tanto temeroso, pois ali não era o meu lugar. Sentei em uma mesa e pedi uma bebida.
Não era meu feitio beber, mas, naquele meio, não tive outro jeito, senão me igualar a eles, pelo menos na bebida.
A música era barulhenta e as mulheres que ali frequentavam eram da mais baixa classe.
Não tivera ainda tempo para raciocinar e, levado pelo impulso de me libertar da vida, caíra justamente no pior lugar que eu poderia imaginar.
Aos primeiros goles daquela bebida amarga e estranha, lembrei-me de meu pai, de seus conselhos ponderados, nos mostrando os males e as bênçãos do bom proceder, a figura bondosa de mamãe nos repreendendo quando jogávamos água uns nos outros.
Não sei se foram as lembranças de meus pais, ou se Deus tivera piedade de mim, parei com o copo pelo meio, olhei aqueles rostos de homens acabados pelos vícios, na agitação vertiginosa, misturadas muitas vezes com a agonia de consciências culpadas, procurando viver vida diferente nas ilusões de uma vida falsa e mentirosa.
A música penetrava fortemente pelos meus ouvidos e lembrei então como eu era rude em casa. Não aceitava que os meninos pusessem um som mais alto, pois incomodava a leitura do meu jornal, implicava com as novelas de Mariazinha, olhava sempre de mau humor para meu sogro, que, coitado, não tinha onde ficar… E no serviço, como chefe, era implicante, intolerante, não aceitava desculpas. ai daquele que chegasse tarde, descontava no fim do mês.
Ah, meu Deus, com certeza todos me odiavam. Olhei ao meu redor. O que estava fazendo ali? Por que força misteriosa me fizera chegar até aquele lugar?
Saí dali com pensamentos diferentes: pensei em meu lar. O amor surgiu forte pelos entes queridos, que eu, no meu egoísmo, não queria aceitar. Foi esse amor, centelha luminosa que existe em todo ser, que fez surgir em mim à vontade de viver.
Pensei. amei e fui amado, e o que restou de mim? Na confusão do meu ser, não sabia me responder. só sabia que estava errado e queria me redimir.
Voltei altas horas da noite. Mariazinha já dormia. Andava devagar pelo quarto para não despertá-la. Deitei. Olhei para Mariazinha, como há muito não fazia. Era a mesma moça que eu conhecera, somente mais sofrida, deixando transparecer pequenas rugas, ar cansado, mesmo dormindo. Com certeza estivera chorando.
Arrependi-me de tudo. Queria que amanhecesse logo, para que eu pudesse conversar com ela, pedir que tivesse paciência comigo, pois não queria mais morrer, mas sim viver para eles, para a minha família. Assim, com esses pensamentos, adormeci.
Logo pela manha, levantei primeiro que todos, fui à cozinha, preparei o café como fazia logo que casamos, coloquei o café em uma bandeja e levei para Mariazinha, que me olhou surpresa, pois não esperava mais dessas minhas gentilezas.
Sentou na cama e olhando bem nos meus olhos, me disse:
- Estarei sonhando?
- Não, eu é que acordei de um sonho mau. De hoje em diante, quero ser aquele homem que você conheceu. Tive uma experiência que me fez refletir e dar valor à vida e a tudo que Deus nos dá com tanto amor.
Meus filhos, ouvindo barulho, correram para o nosso quarto, pularam na cama e, abraçados, agradeci a Deus por ter nos dado tanta felicidade, pois vendo a infelicidade dos outros, é que consegui ver os meus erros e repará-los.
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